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sábado, 21 de janeiro de 2012

Fungos “do bem” e fungos “do mal”

Os fungos são seres curiosos. Tão únicos que formam um grupo de organismos classificado isoladamente: o Reino Fungi. São seres meio macabros, que se alimentam ou de matéria orgânica proveniente da decomposição de outros organismos, ou são parasitas. Mas justamente por processar a matéria orgânica em decomposição são essenciais para a “reciclagem” desta matéria orgânica. Dentre suas características particulares está a produção de substâncias químicas estruturalmente complexas. As penicilinas, por exemplo, descobertas no início do século XX, são produzidas por várias espécies de fungos do gênero Penicillium, como Penicillium notatum, objeto de estudo de Alexander Fleming, consierado o descobridor das penicilinas. Graças à sua potente atividade anti-bacteriana, as penicilinas foram utilizadas (e ainda são) como antibióticos desde a 2ª Guerra Mundial. Fungos do gênero Penicillium também são utilizados na fabricação de queijos do tipo “bleu” (azul), como o queijo Roquefort e o queijo Gorgonzola. Outros fungos classificados como leveduras são utilizados na fabricação de pães, e na fermentação da garapa da cana-de-açúcar, para se produzir aguardente e álcool combustível. Além disso, fungos entomopatogênicos (que causam doenças em insetos) são utilizados como controle biológico de pragas, como Metarhizium anisopliae e outros do gênero Beauveria.
O problema é que alguns fungos são bem nefastos, como os que causam doenças em humanos, animais e plantas. Uma das micoses de pele mais comum, a chamada Pitiríase versicolor, é causada pelo fungo Malassezia furfur, e é extremamente difícil de ser tratada. Um dos melhores remédios para esta micose é óleo de copaíba de boa qualidade, difícil de ser encontrado. Além de micoses em humanos, algumas espécies de fungos estão afetando severamente espécies de animais silvestres. Como morcegos, por exemplo.
Notícia divulgada hoje pelo jornal Folha de S. Paulo, conta que
Fungo ataca nariz de morcegos e ameaça espécie na América do Norte – BBC Brasil
Um fungo já matou entre 5,7 milhões e 6,7 milhões de morcegos na América do Norte desde 2006, época em que foi detectado. A cifra estimada anteriormente, segundo autoridades ambientais do país, era de 1 milhão de mortes entre 2006 e 2009. O aumento registrado dá a entender que o fungo mortal tem se proliferado de forma preocupante.
O fungo Geomyces destructans ainda é pouco conhecido dos cientistas e causa uma doença chamada de “síndrome do nariz branco” (ou WNS, white nose syndrome, em inglês) por deixar um aro de pó branco sobre o nariz dos bichos infectados. Doentes, os morcegos passam a se comportar de maneira errática. Despertam durante o período de hibernação no inverno e morrem de frio ou fome ao empreender voos em busca de insetos. A síndrome foi identificada pela primeira vez em uma caverna em Albany, no Estado de Nova York, e desde então se espalhou para 16 Estados do noroeste e do sul dos EUA, além de quatro províncias canadenses.
IMPACTO NOS HUMANOS
Biólogos explicam que o declínio dos morcegos pode ter impacto para os seres humanos. Isso porque a redução dos animais faz com que aumente a populações de insetos, base de sua alimentação, com consequências para o preço de alimentos e da madeira caso o cultivo seja afetado por pragas mais intensas. Um estudo publicado na revista “Science” estimou, considerando as projeções de 2009 sobre a expansão da síndrome do nariz branco, que 1,3 mil toneladas métricas de insetos danosos aos cultivos não foram consumidas nos últimos três anos por conta na redução dos morcegos.
Preocupa ainda o fato de a síndrome do nariz branco ter uma mortalidade elevada –em algumas cavernas, o fungo causou a morte de 99% dos morcegos.
O alto número de morcegos mortos “mostra a gravidade da ameaça da síndrome do nariz branco, assim como o alcance do problema”, afirmou Dan Ashe, diretor do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, que está monitorando os animais. “Os morcegos contribuem com a economia americana por controlarem pestes naturais em plantações e bosques e têm um papel essencial ao ajudar no controle dos insetos que podem transmitir doenças.”
“Em Estados como Nova York e Vermont e o sul de Ontário [Canadá], antecipamos que mais de 90% da população geral [de morcegos] será impactada”, advertiu Jeremy Coleman, coordenador nacional de combate a doenças do Serviço de Pesca e Vida Selvagem.
ESTIMATIVAS
As cifras divulgadas pelo órgão foram compiladas a partir de dados de biólogos locais e de modelos matemáticos, para projetar as mortes de morcegos em áreas afetadas pelo fungo.
Como os morcegos são difíceis de serem vistos e contados, os especialistas recorreram a fotografias. “Os morcegos de Indiana, por exemplo, podem se reunir em grupos de até 300 em um metro quadrado. Assim, podem ser contados de forma muito mais precisa (por meio de) imagens digitais”, explicou Coleman.
A esperança dos cientistas se concentra em algumas colônias ilhadas de morcegos no nordeste dos EUA, que estão saudáveis e não parecem ter sido afetadas pelo fungo. Ainda assim, o avanço da doença supera todas as previsões. Para Mollie Matteson, da ONG norte-americana Centro de Diversidade Biológica, “as novas estimativas evidenciam o fato de que temos que fazer mais para monitorar a expansão da síndrome o mais rápido possível”.
Por aqui, especialistas já verificaram que uma espécie de fungo comprometeu seriamente populações de caranguejos-uçá de mangues do nordeste, causando danos ao coração e necrosando o sistema nervoso dos crustáceos. Pesquisadores da Universidade Federal do Paraná observaram a infestação de caranguejos pelo fungo, ainda desconhecido, desde o estado de Sergipe até o Espírito Santo. Os caranguejos-uçá são comestíveis e são fonte de renda para os assim chamados “catadores de caranguejo”. Com o desaparecimento dos caranguejos, principalmente de mangues do nordeste, até festas regionais do sul da Bahia, como o Festival Nacional do Caranguejo-Uçá, passaram a discutir maneiras de se continuar a tradição de maneira sustentável.
Outra espécie de fungo, Aspergillosis sydowii, é responsável pela infestação e doenças de espécies de corais do Caribe. Descobriu-se que esta espécie de fungo é originária de desertos africanos. Isso sem falar no fungo Microcyclus ulei, que foi responsável pelo comprometimento da produção da borracha no Brasil, pelo fato de infectar as seringueiras (Hevea brasiliensis).
Ainda não se sabe as razões pelas quais ocorrem surtos de patogenicidade destas espécies de fungos. Mas especialistas sobre o assunto acreditam que seja realmente importante se conhecer as razões e mecanismos pelos quais tais “surtos” de patogenicidade de fungos surgem pelo mundo, para que se possa encontrar maneiras eficazes de se evitar o problema, que pode ter consequencias econômicas, de saúde pública e de meio ambiente significativas.
Referência
1. Dean, W. Brazil and the Struggle for Rubber – A study in Environmental History, Cambridge University Press, 1987.